Com o advento da Lei 11.101/2005 (Recuperação Judicial) e diversamente do que ocorria na vigência Decreto-Lei 7.661/45, o ‘favor legal’ da concordata deu lugar ao ‘contrato’ de recuperação judicial, caracterizado pelo benefício outorgado ao empresário em dificuldades de negociar suas dívidas, mediante a prévia aquiescência dos credores.
Assim, o legislador inovou ao conferir grande autonomia aos credores e poder à Assembleia Geral de Credores, fazendo com que o Judiciário adotasse uma postura menos intervencionista e respeitasse as deliberações dos credores.
De fato, a inserção do caráter contratual na recuperação judicial estabelece a necessidade de negociação entre as partes, o que acabou favorecendo a possibilidade de superação do estado de crise econômico-financeira do devedor, princípio orientador do instituto.
Na esteira desse entendimento, uma vez aprovado o plano pelos credores, incumbe ao magistrado, por força do disposto no artigo 58 da Lei da Recuperação Judicial, homologar o plano de recuperação judicial.
Entretanto, passados quase 15 (quinze) anos da entrada em vigor da Lei da Recuperação Judicial, a questão sobre os limites da intervenção do Poder Judiciário, quando da homologação do plano, ainda é tema controvertido, com opiniões divergentes dos estudiosos da matéria.
Alguns destes juristas, atentos ao princípio constitucional da liberdade associativa, com interpretação literal do artigo 58 da Lei da Recuperação Judicial, entendem que a atuação do juiz se restringe à mera concessão da recuperação judicial, uma vez “cumpridas as exigências desta lei”, sem qualquer interferência sobre os termos do plano, não cabendo ao magistrado examinar o conteúdo econômico-financeiro do projeto.
Registra-se que este entendimento prevaleceu durante anos nos tribunais pátrios até que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos idos de 2012, entendeu por bem adotar posicionamento divergente, segundo o qual o juiz pode apreciar o mérito do plano de recuperação, tornando-se o leading case sobre o assunto.
Nesse passo, antevendo as inúmeras decisões judiciais neste sentido, o Conselho da Justiça Federal aprovou 4 (quatro) enunciados acerca do tema, afastando a ideia de que a soberania da assembleia de credores consistia em um dogma absoluto, conferindo ao Judiciário o poder de exercer o controle judicial de legalidade sobre o projeto de reestruturação e a declaração de vontade dos credores.
Desde então, este posicionamento vem sendo amplamente difundido por diversos doutrinadores, que defendem, atentos ao princípio da preservação da empresa e da função social, que o juiz poderia aprovar plano de recuperação rejeitado pela Assembleia Geral de Credores, se entender que a empresa se mostra economicamente viável, como também poderia rejeitar a recuperação por considerar que os objetivos da Lei da Recuperação Judicial não serão alcançados.
O STJ atualmente acolhe a tese de intervenção judicial restrita ao controle de legalidade, sendo vedado ao juiz o exame da viabilidade econômica do plano. No julgamento do Recurso Especial 1.359.311-SP, ocorrido em 30 de setembro de 2014, o ministro Luís Felipe Salomão enfrentou profundamente o tema, deliberando que o Judiciário pode analisar o plano de recuperação após a aprovação pelos credores, sendo-lhe vedado, porém, realizar qualquer ingerência na sua viabilidade econômica.
Destarte, diante dos recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça, conclui-se que cabe ao magistrado identificar, na hipótese em análise, eventual abuso na manifestação de direito de voto dos credores, ou mesmo a extrapolação do exercício da autonomia da vontade privada sobre o destino de direitos patrimoniais disponíveis, como proteção dos princípios basilares da recuperação e preservação da atividade econômica como definido pelo artigo 47 da Lei nº 11.101/2005.