A desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, a possibilidade de as pessoas físicas dos sócios ou administradores e/ou pessoas jurídicas diversas responderem, por meio de seus bens particulares, pelas obrigações de determinada sociedade empresarial, é matéria que sempre se mostrou extremamente controversa.
Apesar do Código Civil/2002, em seu art. 50, condicionar a aplicação do instituto às hipóteses em que restar demonstrado “abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial”, na prática, a possibilidade ou não de desconsideração da personalidade jurídica ficava a cargo exclusivo do Judiciário e da subjetividade dos juízes. Muitas vezes, inclusive, tais decisões ocorrem sem sequer haver o devido contraditório, gerando assim, instabilidade nas relações comerciais e enorme insegurança jurídica, inibindo a atividade empresarial.
No entanto, vem se observando no Brasil a adoção de medidas que visam fomentar a atividade empresarial e reduzir os riscos ao empreendedor, dentre os quais destacamos a definição clara e objetiva dos limites de sua responsabilização pelas atividades comerciais exercidas por pessoa jurídica da qual faz parte.
O CPC/2015 trouxe grande avanço na solução do referido problema ao estabelecer, em seu art. 133 e seguintes, regras procedimentais a serem observadas para que haja a desconsideração da personalidade jurídica.
Ou seja: após o Novo CPC passou a ser obrigatória a instauração de procedimento próprio, que garante tanto à empresa quanto aos seus sócios, o exercício do direito constitucional à ampla defesa e contraditório. Assim, há possibilidade de afastar a aplicabilidade do instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica, ANTES da prática de qualquer ato constritivo sobre seus bens.
Mesmo com as alterações legais mencionadas, ainda pairavam dúvidas acerca da aplicação da desconsideração, uma vez que ausente, até então, qualquer definição legal do que se entendia por desvio de finalidade e confusão patrimonial, função que se manteve nas mãos dos juízes.
Somente em abril de 2019, com a adoção da Medida Provisória nº 881, (posteriormente convertida na Lei nº 13.874/2019, denominada Lei da Liberdade Econômica), uma proposta de solução da questão foi apresentada, com a alteração do art. 50 do Código Civil/2002. O referido artigo passou a conceituar as hipóteses legais já existentes, traçou limites objetivos dentro dos quais a desconsideração da personalidade jurídica é cabível, com nítido propósito de diminuir a aplicação abusiva e desmedida do instituto pelo Judiciário.
Ainda, a aplicação de critérios objetivos tende a permitir às pessoas jurídicas e seus sócios a adoção de medidas concretas e seguras para prevenção de atos que se configurem como abuso de personalidade jurídica.
Todavia, apesar do claro avanço da legislação no que se refere ao instituto, restam mantidas as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica previstas em outros sistemas jurídicos (Código de Defesa do Consumidor, Lei anticorrupção – 12.846/13, Lei de Crimes Ambientais – 9.605/98, etc.).
Resta-nos aguardar a confirmação das melhorias que a Lei da Liberdade Econômica se propôs a implementar em nosso ordenamento, as quais deverão ser alvo de maiores estudos e análise do comportamento do Judiciário, diante de tais alterações.
Dr. Luís Dib, Advogado do Manucci Advogados