Com o início da pandemia e a declaração de estado de calamidade, as relações de trabalho sofreram grandes alterações. Uma das principais mudanças foi a concessão de benefícios trabalhistas em razão do COVID-19. Por exemplo, a redução da jornada e salário, a suspensão do contrato de trabalho e a instituição de teletrabalho/home office por diversas empresas.
Diante deste novo cenário, diversos questionamentos surgiram e um deles, refere-se à concessão e supressão de benefícios concedidos pelas empresas aos empregados. Podem ser estes alterados ou até suprimidos em razão das novas modalidades de trabalho?
Em recente decisão, a Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a natureza salarial do auxílio-alimentação pago a uma empregada da Caixa Econômica Federal.
Desde a contratação, a empregada recebia auxílio-alimentação como parcela de natureza salarial. Contudo, após alguns anos, a empresa editou norma interna e celebrou norma coletiva para declarar a natureza indenizatória do benefício, não sendo mais este incorporado à remuneração para quaisquer efeitos.
A empregada sustentou que a alteração lhe causou prejuízos e requereu a incidência do valor do benefício sobre as demais parcelas. Com fundamento na Orientação Jurisprudencial 413 da SDI-1, o ministro relator Alexandre Ramos decidiu que a natureza salarial da parcela já havia aderido ao contrato de trabalho da bancária, de maneira que a alteração caracterizou alteração lesiva e viola o artigo 468 da CLT.
Da análise desta decisão verifica-se que é necessário cautela pelas empresas e análise dos fatos para se aplicar qualquer alteração aos contratos de trabalho, sob pena de nulidade do ato e pagamento retroativo das parcelas. Em relação aos benefícios, alguns deles, quando vinculados ao comparecimento no local de trabalho, podem ser suspensos.
Como exemplo temos o caso do vale-transporte, este benefício é pago para cobrir despesas de deslocamento do empregado da residência-trabalho-residência, assim, nos casos de suspensão do contrato trabalho e trabalho em home office, nos quais não há o deslocamento do empregado, este poderá ser suprimido ou suspenso até que a situação se regularize e o empregado retorne ao trabalho presencialmente.
Quanto ao vale-refeição (para uso no horário de almoço em restaurantes) e ao vale-alimentação (para compras em supermercados e sacolões), o empregado continuará necessitando destes benefícios, uma vez que se trata de alimentação, inclusive quando da suspensão do contrato, conforme expressamente determinado pela lei. Por fim, em relação ao plano de saúde, plano odontológico e seguro de vida, estes devem ser mantidos.
Neste cenário, ainda surgiram novos benefícios para os empregados que estejam trabalhando no regime de teletrabalho/home office: o vale-internet, vale-cadeira e até vale-energia elétrica
É importante destacar que, por se tratar de um tema recente, não há entendimentos jurisprudenciais consolidados. Contudo, entende a jurisprudência majoritária que os benefícios pagos por liberalidade aderem ao contrato de trabalho e, portanto, via de regra, é considerada lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade, sendo que só será lícita a alteração para novos contratos.
Para que os riscos sejam mitigados (e não excluídos), é imprescindível que a Empresa formalize as alterações por meio da assinatura de todos os empregados dando ciência e anuência da alteração que será feita aos contratos de trabalho.
Outro mecanismo para minimizar estes riscos é a realização de negociação com a entidade sindical. A negociação coletiva se tornou ainda mais relevante desde a reforma trabalhista em 2017 e agora, em razão da pandemia, tem conquistado ainda mais espaço tendo em vista a segurança jurídica que proporciona.
Portanto, desde que utilizado de forma correta, com todas as avaliações de riscos, as empresas podem utilizar-se de alternativas, com o intuito de proteção ao emprego e diminuição dos impactos causados pela pandemia vivenciada.
A utilização desta e outras estratégias, trazem a possibilidade de manter as empresas e os contratos de trabalho ativos, mas a tomada de decisões deve ser estratégica, com avaliação dos impactos, sendo realizado de modo personalizado, de acordo com a necessidade de cada empresa.
Laura Braga Rocha – advogada trabalhista – Manucci Advogados
Ariela Duarte – sócia da área trabalhista – Manucci Advogados