Imóveis: A possibilidade de adjudicação compulsória extrajudicial

No Brasil é bem comum a prática da compra e venda de imóveis apenas com a assinatura de uma promessa de compra e venda, popularmente denominada “contrato de gaveta”. Dados do Ministério de Desenvolvimento Regional estimam que no país, cerca de 30 milhões de imóveis não possuem escritura, o que denota a irregularidade imobiliária tão presente no nosso dia a dia. Além do elevado custo para a regularização, a burocracia é um dos fatores que corroboram para os números elevados.

Com intuito de modernizar e desburocratizar os registros públicos, com a consequente redução de custos e prazos, a Lei 14.382/2022 veio instituir a possibilidade da adjudicação compulsória extrajudicial, trazendo os requisitos mínimos para a consecução do direito, como veremos a seguir.

O que é a adjudicação compulsória extrajudicial?

A adjudicação compulsória é um procedimento que visa o registro de um imóvel, para o qual não se tem a documentação exigida em lei. Antes do advento da Lei 14.382/2022, o procedimento era realizado judicialmente por meio de ação própria, na qual o juiz expedia uma Carta de Adjudicação determinando que o Registro de Imóveis competente procedesse com o devido registro.

Umas das soluções para desafogar o Poder Judiciário e dar mais celeridade aos procedimentos foi a desjudicialização, tendo o legislador brasileiro inserido mais uma modernização nos registros públicos, com a conversão da Medida Provisória n° 1.085/2021 na Lei n° 14.382/2022, que incluiu o art. 216-B na Lei 6.015/1973, tratando da possibilidade da adjudicação compulsória pela via extrajudicial, em que um imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão de direitos pode ser adjudicado pelo promitente comprador junto ao cartório de registro de imóveis.

Requisitos e procedimento

O processamento do requerimento de adjudicação compulsória se dará no Cartório de Registro de Imóveis da localização do imóvel, devendo o requerente ser representado por advogado, contendo os elementos mínimos que permitam a análise do caso concreto pelo legislador.

A redação do artigo 216-B da Lei 6.015/1973, estabelece que são legitimados para requerer a adjudicação compulsória extrajudicial, o promitente comprador, os cessionários ou promitentes cessionários e os sucessores, bem como o promitente vendedor.

Cumpre ressaltar que antes da promulgação da Lei n° 14.382/2022 a adjudicação compulsória pelo promitente vendedor não encontrava respaldo legal, sendo, portanto, objeto de construção jurisprudencial. Agora a lei reconhece expressamente o direito do promitente vendedor à adjudicação do imóvel, numa espécie de adjudicação inversa.

Os requisitos para o procedimento são cumulativos, sendo necessários à apresentação, no momento da prenotação, do instrumento de promessa de cessão de compra e venda, da prova da recusa do promitente vendedor em celebrar o título de transmissão da propriedade mediante notificação extrajudicial realizada pelo oficial do registro imobiliário, das certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio das partes envolvidas que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel, do comprovante de pagamento do ITBI e da procuração com poderes específicos ao representante legal da parte, sendo dispensado o reconhecimento da firma do(s) mandatário(s).

Após a prenotação dos documentos citados abre-se o prazo de dez dias úteis para qualificação pelo registrador. Decorrido o prazo, o oficial providenciará a notificação do interessado para que se manifeste no prazo de 15 dias úteis quanto ao inadimplemento da sua obrigação de celebração do título definitivo. Se frustrada a notificação pessoal, o interessado poderá ser notificado via publicação de edital. No caso de o imóvel possuir mais de um proprietário, todos deverão ser notificados.

Findo o prazo de 15 dias úteis para manifestação do interessado, e não havendo resposta, o procedimento seguirá seu curso regular, sendo a adjudicação registrada na matrícula do imóvel em favor do adjudicante.

Aqui cabe ressaltar, que o registro da adjudicação dependerá da demonstração fática da impossibilidade de lavratura de escritura pública, como nos casos da morte ou declaração de ausência do promitente vendedor, ou naqueles casos em que imóveis oriundos de grandes loteamentos, e que mesmo após quitados, nunca foram transferidos definitivamente em razão da extinção ou falência das loteadoras.

Embora não conste expressamente no texto legal, entende-se que a comprovação da quitação pelo comprador do preço ajustado na promessa de compra e venda é condição essencial para o processamento do pedido de adjudicação e consequente registro em favor do adjudicante.

Conclusão

Nota-se, que pela natureza compulsória do procedimento em hipótese poderá haver consenso na adjudicação compulsória extrajudicial em relação às Partes contratantes, sob pena de, em verdade, estar-se registrando uma compra e venda por instrumento simulado. Na hipótese de consenso, as Partes devem pactuar o instrumento definitivo, nos limites do disposto no art. 108, do Código Civil. Nessa hipótese, o procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial perderá seu objeto, devendo ser encerrado pelo registrador mediante decisão fundamentada.

Ainda, nos casos em que o promitente vendedor manifestar motivadamente a sua discordância com o procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial, este deverá ser processado pela via judicial.

Cuida-se a adjudicação compulsória extrajudicial de uma importante inovação legislativa que, fundada no princípio da função social da propriedade, contribuirá para agilizar os procedimentos e evitar a judicialização dos conflitos.

O novo instituto ainda carece de complementação por meio de dispositivos infralegais, para que sejam delimitados os procedimentos e as possibilidades jurídicas do caso concreto, que a Lei não regulamentou.

A equipe de Direito Imobiliário do Manucci Advogados está à disposição para esclarecer eventuais dúvidas sobre este tema.

Manucci Advogados

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