compliance trabalhista pejotizacao

Compliance trabalhista, pejotização e trabalho autônomo

O interesse de implantar um programa de Compliance, volta-se, em um primeiro momento, para a busca de adequar a empresa à conformidade normativa inerente ao seu âmbito de atuação. Em um segundo momento, tal iniciativa reforça o ambiente ético da companhia, favorecendo o seu desenvolvimento, produtividade e segurança.

Especificamente quanto à correição em relação às normas, ganha especial relevo a adoção de um Compliance Trabalhista, a fim de evitar punições de natureza administrativa, riscos financeiros, pagamento de indenizações e outras sanções legais, que têm se destacado em grande parte dos sistemas jurídicos modernos.

O fenômeno do “trabalho assalariado dissimulado” é um destes temas de interesse. Se os diferentes sistemas jurídicos apresentam uma definição majoritariamente uniforme, independentemente da qualificação do contrato determinada pelas partes, a sua caracterização pode revelar-se bastante distinta, segundo o ordenamento jurídico local. Os tribunais buscam, com efeito, se adequar às novas formas de terceirização em um contexto crescente de uberização do trabalho.

No Brasil, a chamada pejotização, qualificação pejorativa da prática de contratar sistematicamente os empregados como pessoa jurídica, com o objetivo de fraudar a legislação trabalhista é uma preocupação importante e crescente.

Recentemente, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a Reclamação (RCL) 47843, que discutia a licitude da contratação de médicos como pessoas jurídicas.

Apesar da decisão monocrática da relatora ter considerado a ação improcedente, na sessão do último dia 08 de fevereiro, prevaleceu a divergência aberta pelo Ministro Alexandre de Moraes no sentido da licitude da contratação. Em suas razões, considerar ilícita a terceirização é contrariar os resultados produzidos no julgamento da ADPF e a tese de repercussão geral que permitiu a terceirização da atividade fim.

Assim, o recurso foi provido, para permitir a pejotização no caso. Os ministros Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli, ainda destacaram que a apresentação dessa ação pelo Ministério Público do Trabalho -MPT somente se justificaria se a situação envolvesse trabalhadores hipossuficientes, o que não era o caso.

Nesse sentido, para que uma empresa possa terceirizar suas atividades de maneira lícita e minimizar os riscos de uma desconsideração da relação é crucial que a contratação seja feita de maneira adequada. Para isso, é importante observar os requisitos que competem à contratante além de realizar uma análise específica e concreta do caso, com averiguação minuciosa do modus operandi, para que as relações contratuais estabelecidas prevaleçam e estejam de acordo com a legislação.

Na França, a existência do critério de subordinação – definido como a execução de um trabalho sob a autoridade de um empregador que tem o poder de dar ordens e diretrizes, de controlar a execução e de sancionar os erros ou falhas – é elemento central quando se analisa a questão de possível requalificação de uma relação contratual diversa em relação de emprego.

Nessa perspectiva, para além dos litígios comuns nesta área, a atualidade jurídica é sobretudo marcada pelos sucessivos retrocessos sofridos por alguns gigantes das plataformas digitais de trabalho que, por vezes, subestimam o impacto de uma transposição crua do seu modo de funcionamento nas diferentes jurisdições.

De Take Eat Easy, Deliveroo, passando por Uber, cuja recente e histórica condenação ao pagamento de mais de 17 milhões de euros a 139 de seus motoristas ainda ressoa na mídia, as requalificações em contratos de emprego e sanções por “trabalho dissimulado” se multiplicam.

Estes exemplos são, no entanto, apenas uma simples ilustração da apreciação feita pelos juízes para caracterizar a existência de uma relação de subordinação – segundo o célebre método conhecido na jurisprudência francesa como “feixe de pistas – que os juízes veêm aplicando para estas novas formas de trabalho precário.

A diversidade das soluções e posicionamentos hoje adotados levou a União Europeia a abordar esta questão sensível com a proposição de uma Diretiva dedicada à melhoria das condições de trabalho nas plataformas digitais. Tal proposta, adotada pelo Parlamento Europeu no dia 2 de fevereiro do corrente ano, introduziria, notadamente, uma presunção, ainda que refutável, de relação de emprego que está longe de ser unanimidade.

De qualquer forma, independentemente da sua localização e do seu setor de atividade, cada empresa deve estar ciente dos riscos associados à terceirização, riscos estes que somente um programa de compliance pode garantir ou pelo menos antecipar e mitigar. Em um mercado de trabalho em constante mudança, falar de compliance exige uma análise personalizada e concreta do modus operandi da empresa, um diagnóstico de conformidade, fundado nos pilares do compliance e analisados de acordo com os mandamentos legais, que vai necessariamente além do enquadramento ou da qualificação do contrato adotado pelas partes ou, por vezes, imposto a uma delas.

Ato contínuo, o compliance trabalhista é capaz de criar procedimentos e políticas que se prestam a assegurar a existência de controles internos aptos a evitar não conformidades e favorecer o desenvolvimento da empresa. 

Por Ariela Duarte e Patrícia Vilhena, sócias do Manucci Advogados, em colaboração com Jennifer Carrel, sócia do UGGC Avocats Parise François Marteau, colaborador do UGGC Avocats Paris. 

Por